quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Texto que escrevi em 31/12/2020 paravo Blog da APOESC

Ano Novo, roupa nova?

Maria Marcela Freire

Há, ainda neste 31 de dezembro de 2020, um frenesi nas lojas de todo o Brasil. Pessoas com incumbências pessoais ou ditames sociais à procura de algo especial para ornamentar simbolicamente seu corpo, ordinário corpo, na virada de ano, logo mais à meia-noite.

A exemplo da véspera do natal, elas saem de suas casas com o  compromisso de se satisfazerem ou satisfazerem a alguém comprando algo que, tradicionalmente, se veem “obrigadas”a fazerem, talvez para se sentirem bem consigo mesmas. 

No natal, algumas mesas fartas. Sobremesa, rabanada; no Ano Novo, talvez, nas mesmas mesas fartas, faltará alguém ou alguma coisa que este ano não possibilitou ter ou acontecer. Desta forma, restando apenas a uma roupa nova, estrategicamente pensada numa cor específica, fomentar a esperança de desejos não sublimados que possam vir acontecer no novo ano que está prestes a iniciar.

Que a roupa nova ou não que iremos vestir nesta entrada de ano novo seja uma nova roupa para as nossas pobres almas carentes de atenção, ouvidoria e cuidado, desprovidas de uma endumentária que nos acolha e nos dê o status de humanos que, há tempos, estamos a perder.

 


domingo, 27 de dezembro de 2020

Da arte de escrever

 

DA ARTE DE ESCREVER

Maria Marcela Freire

 

Escrever, assim como ler, é ato solitário. Entretanto, por vezes, assim como podemos compartilhar leituras e torna-las um ato coletivo, colaborativo, de comunhão, também podemos fazer da escrita, exercício íntimo compartilhável, desde que exista, em cena, outro leitor além de mim, mero escrevente de entidades plurais que constituem o meu eu interior.

Escrever dói. Ler o outro também dói porque nunca sabemos, de fato, a quem iremos atingir em cheio, feito flecha no alvo, a partir das nossas escritas, quer sejam elas poéticas ou não.

Sendo assim, escrever é um tiro no escuro; flecha lançada no alvo das subjetividades humanas; ato repleto de intenções, mesmo que no subsolo de nossos pensamentos mais obscuros. O alvo, o coração e a mente humana, simbolizados assim em emoção e razão respectivamente. Ele (o alvo), muitas vezes, pode parecer estanque, estático, mas é mutável de acordo com a recepção e percepção do leitor em vários tempos, ao longo da história, e momentos/instantes da sua vida. Neste sentido, escrever é consagrar o instante.

Escrever é sinônimo de liberdade e de libertação. É puro ato de rebeldia, resistência e honestidade com os seus próprios pensamentos e sentimentos. Afinal, se escreve por quê? Para quê? Para quem?  Para um outro ou para mim mesmo?

Escreve-se para um eu inevitavelmente coletivo; para falar por si mesmo, ressoando no outro;

Escreve-se para aliviar nossas inquietações, nossas angústias, nossas dúvidas, nossas impressões e imprecisões do mundo, do outro e de nós mesmos;

Escreve-se para exercitar a nossa humanidade e nossas experimentações;

Escreve-se por identificação com ser humano, com a natureza e os animais;

Escreve-se para imprimir nossa identidade, deixar a nossa marca registrada no mundo, de maneira geral, ou no mundo particular de alguém;

Escreve-se, portanto, para nos salvar de nós mesmos!

Poema pandêmico III


 

Carta ao Literarte


 

Poema pandêmico II

 


Carta à Zila Mamede

 


Homenagem a Diógenes da Cunha Lima em 29/10/2020


 

Poema pandêmico I

 


Currais Novos Bonita


"CURRAIS NOVOS BONITA - Uma homenagem do Casarão de Poesia ao centenário de Currais Novos. 

É o resultado de um projeto aprovado junto ao FIA (Fundo para a Infância e Adolescência), com o apoio do CMDCA e da Prefeitura Municipal de Currais Novos. 

Além de alguns artistas da cidade, o vídeo conta com a valiosa participação de 13 crianças, adolescentes e jovens, através do apoio das escolas municipais Gilson Firmino, Salustiano Medeiros e Cipriano Lopes Galvão. 

O projeto valoriza o protagonismo dos alunos participantes: com o apoio pedagógico da poeta Maria Marcela Freire, eles mesmos pensaram e gravaram sua participação, buscando uma identidade artística e valorizando seu território. 

O cordel foi escrito por Iara Carvalho e tentou priorizar aspectos da história e da cultura, diferentes daquilo que é mais evidenciado na historiografia tradicional, focando na DIVERSIDADE que é marca de nosso povo".

Texto que escrevi em 24/12/2020 para o Blog da APOESC

Do direito à uva-passa e a outras coisas mais

Maria Marcela Freire 

 

Dezembro de 2020. As pessoas, entre tantas outras coisas, se ocupam, diante de uma pandemia mundial, em fazerem memes desdenhosos acerca da inocente e inculpavel uva-passa. Além de ridicularizarem o valioso significado da versão brasilera da música: "So this is christmas"(Então é  natal). 

Como se não bastasse, hoje, véspera de natal, elas resolveram limitar os filmes com esta temática na sessão da tarde, com medo de correrem o risco de serem acometidos pela temível  pieguice natalina crônica. 

Pois bem. Meu sobrinho de três anos tem sido poesia nesta vida tao ainda severinha pelo fato de ainda, talvez, nao ter sido infectado pelo vírus do desdém cotidiano. Para ele, tudo ainda soa como novidade e, por isso, dou-lhe o direito de não gostar de uva-passa , de não saber ou querer cantar " Então  é  natal " e/ou até  mesmo de parar um instante para assistir a filmes de natal. 

Vez em quando ele, em seus ricos  processos imaginativos, me chama de " pofessora" e finge ser meu minúsculo quarto, uma sala escolar. Quando aceito o título Honório e o incluo na estória confabulada, ele diz inocentemente: nao sou aluno, sou Mateus Henrique! 

Ele está certo. Aluno, etimologicamente falando diz-se ser alguém sem luz e esta, Mateus tem de sobra. 

Percebi ontem que, assim como eu, Mateus tem certo apreço por janelas. Quis que eu retirasse uma que estava do canto da parede, pronta para ser posta numa casa nova, só para que ele a observasse a exemplo do que ele faz com qualquer coisa que, para ele ainda é desconhecida. 

Há poucas horas do natal, Mateus me fez ficar revoltada. Quero sim o direito à gostar de uva-passa, de cantarolar, sem me sentir ridícula " Então é  natal"  e de assistir a filmes natalinos piegas durante o mês natalino e até mesmo poder estende-los a outros períodos do ano, sim! 

Mateus ainda não sabe, se eu tivesse a capacidade de fazê-lo entender ainda agora...que quando a gente cresce, fica chato pra danado! A rotina cai sobre nossos olhos como uma espécie de venda e sobre nossos ouvidos, em formato de fones que só nos fazem ouvir a mesma música e bem baixa. Além disso, nos amordaçamos (in)voluntariamente  e deixamos de dizer/externar principalmente aquilo que (não) nos agrada.

 

https://apoesc.blogspot.com/2020/12/do-direito-uva-passa-e-outras-coisas.html


Texto que escrevi em 12/11/2020 para o Blog da APOESC


 

CARTA ABERTA A TODOS(AS) QUE CONQUISTARAM O DIREITO AO VOTO

Currais Novos, 12 de novembro de 2020

 

Saudações a todos (as) que conquistaram o direito ao voto!

 

Sou uma mulher, brasileira, nordestina, seridoense e curraisnovense que, neste exato momento, pede, de maneira humilde e esperançosa, um olhar um pouco mais atento à digna ação de votar de toda e qualquer pessoa apta a realizar tal gesto de cidadania, compromisso e responsabilidade social.

Falo aqui como uma simples leiga no assunto e me ponho nas mesmas condições de qualquer pessoa que, de quatro em quatro anos ou de dois em dois anos, se vê na “obrigação” de sair de casa e dar o voto de confiança a alguém, sob os ditames da lei, que se disponibiliza a me representar, a representar meus direitos e, por que não também, meus deveres diante da sociedade em que estou inserida?

Parece-me sempre que, o momento pelo qual estamos passando é sempre o mais decisivo. Em verdade o é. Se pensarmos bem, todo presente momento é único e, por isso, significativo e importantíssimo para nós. Daí a necessidade de realizarmos escolhas conscientes e firmes, pensando sempre no agora, em vistas para um futuro próximo, bem próximo.

E é, neste exato momento, que convido a todos a refletirem sobre suas, sobre nossas escolhas. Sim, porque apesar da minha escolha parecer uma escolha individual e singular, ela irá refletir de forma coletiva plural. Afinal, não estou isolada do vasto mundo que me rodeia. Sou um ser sociável, vivo em sociedade e, por isso, tudo que faço ou deixo de fazer reflete no outro, por mais distante que ele me pareça ser.

Devo confessar e ser honesta neste momento. Nunca fui de acompanhar e muito menos que pesquisar, procurar saber a fundo quem era e quais eram as obras já realizadas ou a pretensão de realização de obras futuras daqueles que se diziam ou se candidataram a representante de meus direitos. Sou tão leiga e isso me entristece, chega a me envergonhar tal falha e, reconhecendo tal lacuna no que diz respeito à minha contribuição cidadã, reconheço que isso me deixa numa situação de desvantagem, pois, se não procuro saber nada a respeito do cenário político, a começar, da minha cidade, que dirá do meu Estado e do Brasil como todo, como surgirá em mim o instinto de reflexão, o ensejo de dúvida e de questionamento e, por conseguinte, o direito de me  queixar e de reclamar algo que , por ventura necessite ser apontado e reparado?

Portanto, não deixem para fiscalizar ou exigir que se cumpram deveres e obrigações daqueles que estão ou são responsáveis por gerir a coisa pública apenas de quatro em quatro anos ou de dois em dois anos e, equivocadamente apenas, no instante da votação. Precisamos andar, a todo o momento, de olhos bem abertos, questionando e procurando saber o que eles estão fazendo ou farão a respeito de nossos interesses, do interesse coletivo. É preciso, também, colocar a mão na massa e procurar saber, a começar pela minha rua, pelo meu bairro, quais são as suas principais necessidades e desta maneira, sugerir projetos de leis e acompanhar tais sugestões e/ou solicitações durante as sessões nas câmaras de vereadores.

Ao fazer isso, estaremos conscientes de que a nossa parte estará sendo feita e, desta maneira, teremos respaldo para averiguar e reclamar caso a parte deles, dos nossos representantes legais, não esteja sendo feita.

Anote seus planos de governo, crie uma espécie de dossiê, de portfólio, ou de scrapbook com todas as informações (santinhos, panfletos, lista de propostas e promessas de aspirantes a vereadores, prefeitos, deputados, senadores e presidentes). E não se contente apenas com isso, pois isso será apenas uma espécie de material, de ferramenta que você poderá, enquanto contribuinte da sua cidade, acompanhar a gestão de cada candidato e usar como argumento para algo que eles descumprirem ou deixarem de cumprir, conforme foi prometido em campanhas eleitorais e durante o seu possível exercício de função, depois de eleito.

Portanto, caríssimos e caríssimas, votem. Façam valer esse direito que, primeiramente foi dado a poucos. Hoje ele é dado a todos e poucos fazem valer a importância que ele tem. Não se omitam, nem sejam neutros. Sejam firmes e conscientes em suas escolhas e lembrem-se sempre: minha escolha reflete em consequências não apenas para mim, mas para todo o resto. Porque, de fato, “The other I am” (Eu sou o outro) – Walt Whitman.

 

Abraço afetuoso a todos e todas que farão valer, neste próximo domingo, o direito ao voto e o exercício da democracia.

Professora e poeta/isa Maria Marcela Freire

Graduada em Letras – Língua Portuguesa/ Inglesa e suas respectivas Literaturas (UFRN)

Pós-graduada Especialista em: Literatura e Ensino (IFRN) e História e Cultura Africana e Afro-brasileira (UFRN)

 https://apoesc.blogspot.com/2020/11/carta-aberta-todosas-que-conquistaram-o.html


Poesia em Flor de Cactus

 Bate-papo com o Sebo Letra Nativa no último domingo, dia 20/12/2020. Poesia Potiguar em pauta e em alta.

https://www.instagram.com/p/CJCcR5cj1Sp/?igshid=18yndzx0611y&fbclid=IwAR05VgWwglpKCefquTqfevpBZmfcuxHRZA4OO3wgVqJjPw19Hm7j7iMV9GM






Reconhecimento poético VII

 Substantivo Plural em poesia!

http://substantivoplural.com.br/a-poesia-viva-do-serido/




quinta-feira, 15 de outubro de 2020

À professora que me tornei ou: o primeiro aluno a gente nunca esquece



Professora Maria Marcela Freire

 

Há exatamente 15 anos escrevei uma das cartas mais sinceras e repletas de emoção que já escrevi em toda a minha vida, e tal carta fora direcionada a alguns professores da época em que estudei no Tristão de Barros, meu último período enquanto estudante convencional. Nesta carta continha toda a minha admiração e gratidão por esse ser Divino que continuo a admirar e a agradecer por sua existência: o Professor.

O motivo deste texto hoje é replicar tais sentimentos que, desde que me entendi por gente, me inquietam e me tornam um pouco mais humana e evoluída: o sentimento de admiração, orgulho e gratidão que invadem meu ser, toda vez que me pego refletindo: Puxa vida, tornei-me professora!  

Primeiro de tudo, preciso fazer um breve histórico de como tudo aconteceu. Sim, tornar-se e ser professora(or) é um acontecimento na vida de uma pessoa tão marcante quanto descobrir-se ser quem é. É claro que uma função/profissão não define quem você é, mas a maneira como você cumpre tal função/profissão, sim. E é por meio da maneira como você abraça tal profissão que é revelado, em sua lida diária, o porquê de você ter nascido e ter sido chamado para isso.

Se você me perguntasse se desde sempre eu quis ser professora, diria que não. No entanto, sinto que algo (nos bastidores da vida) já estava sendo preparado para mim. Lembro-me que, quando criança, tive de brincar de escolinha e, adivinha só quem era a professora? Pois é.

Na adolescência estreei como professora particular de duas ou três crianças e uma delas me chamou a atenção pelo fato de sempre me perguntar: “Tia, quando é que vai nevar?”. Pela primeira vez, enquanto professora, não pude dar uma resposta a um aluno meu e isso foi marcante por dois motivos: pela inocência da criança em querer nevar em pleno Seridó e pela minha incapacidade de não poder dar-lhe uma resposta satisfatória, uma vez que ela sempre voltava com a mesma pergunta, e não há nada mais angustiante e inquietante para um professor do que não saber dar uma resposta satisfatória para seu aluno.

E, pensando nisso e sobre todas as possíveis angústias de um professor, depois de um pouco mais de 20 anos, resolvi escrever também esse texto para essa minha primeira aluna na tentativa de dar mais uma resposta à sua inocente e lírica pergunta:

Querida Mayara, não sei qual é o seu paradeiro hoje. Talvez já esteja casada, tenha filho(s), esteja formada e até mesmo já atuando em sua área. Gostaria que você soubesse que sinto que estava lhe devendo isso:

Nevará aqui em Currais Novos

Quando nossos olhos deixarem de ser cartesianos e enxergamos tudo apenas no preto e no branco e lembrarmos o colorido que a vida é;

Quando pararmos um instante para sonhar e imaginar que tudo é possível, cá, dentro de nós. Basta fechar os olhos por um instante, respirar e confiar;

Quando nunca deixar de ser uma noite de natal em nossos lares ou dia de ser feliz em nossos corações;

Quando invernar em nossos sertões e, assim, tornarem fecundos e frutíferos os nossos caminhosonhos e desejos mais secretos;

Quando outros professores tiverem a sorte e a honra de terem, pela primeira vez, uma poética pergunta sem resposta, vinda de uma criança adorável como você.

 

A todos os meus alunos, a todos os meus professores, a todos os meus colegas professores, saúdo neste dia com o sentimento de gratidão que não cabe em meu coração.

Obrigada por tudo e...a luta continua!

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

À criança que já fui um dia

 


Dedico a meus irmãos, que também já foram crianças como eu e, principalmente, comigo.

 

A infância passou por mim feito um sopro de uma manhã ensolarada de maio. Meu primeiro ato de bravura foi chorar quando, do útero de minha mãe, espécie de paraíso, fui “expulsa” para que em outro paraíso na terra pudesse coexistir e, em teus brancos seios me acalmar, sempre. Ainda era bebê e quem dera lembrar dos primeiros afetos e das primeiras sensações de sentir-se amada e protegida, ai como eu queria!

Pouco tempo passara e os primeiros sinais de independência e de autonomia já eram percebidos. Os primeiros passos eram conquistados com alegria por todos. A primeira palavra e a mais doce de todas, “mamãe”, fora então meu primeiro grito de amor.

Minha infância estava assim inaugurada, pronta para ser lembrança filosófica de alguém que já existiu e que, em tão pouco tempo, já se foi.

Fui, como toda criança, confiante! Menina, saia aí de cima! Dizia minha mãe desesperada, com medo de que eu me machucasse. E eu, inocente e confiantemente, dizia: “Seu caí, pain tigula”.

Chupei o polegar direito até perto dos seis anos até formar um calo em sua articulação, e tenho até hoje o que chamamos por “cheirosinho”, uma espécie de molambo usado para ficar cheirando enquanto se chupava o dedo. Detalhe: quanto mais sujo, melhor.

Fui também, em um único momento, menina “arteira”. Aos 2 anos e poucos, fechei a porta do banheiro, que ficava nos fundos da casa. Foi a primeira vez que desesperei minha mãe, mas ela, como toda mãe, manteve a tranquilidade, mesmo morrendo de aflição internamente, disse: “minha fia, fique na pontinha do pé e abra a porta”. E foi justamente tais palavras que me iluminaram e me iluminam meus caminhos até hoje. Pois, tenho convicção de que a magia e a força da palavra não é propriamente o que ela quer dizer, mas como é dita, sempre.  Minha mãe não sabia, mas hoje certamente ela ficará sabendo que ela foi pioneira em minha experiência como aluna à distância, está marcada como a minha primeira professora EAD.

 Dando continuidade às peripécias infantis, aos 5 anos prendi meu dedinho anelar direito numa cadeira de madeira, daquelas que abrem e fecham, e foi sangue, correria e desespero para todo lado. Fui direto para o hospital ganhar meus primeiros “pontos”.  E por falar em meus primeiros pontos, nessa época também frequentei pela primeira vez a escola, este espaço que tanto colaborou com a minha infância, firmou-se como importante retrato emocional e psicossocial que consegui fotografar em meu subconsciente.  

As bonecas não foram muito minhas amigas de infância. Fui mais criança amiga quando estava entre meus irmãos, entre meus vizinhos de cercas e de muros, entre meus amigos de escola e entre as plantas frutíferas do quintal de minha antiga casa.

 Fui mais criança quando andava de mãos dadas com meus pais, quando íamos à missa e à praça aos domingos à noite;

Fui mais criança quando ia à feira, aos sábados, com minha família e lá, chupávamos geladinho e trazíamos para casa amendoins e dicuris.

Fui mais criança quando, aos domingos e feriados pela manhã, íamos à praia de Jatobá ou à lagoa dos Oiteiros.

Fui mais criança quando, independente do dia, minha mãe abria uma jaca, fazia um pirão de peixe ou meu pai descascava cana-de-açucar e ficávamos todos ali ao redor um do outro, comendo, conversando e rindo, sendo feliz sem saber e, vez por outra, quando amolecia um dente e pai dizia: “morão, morão: pegue esse dente podre e me dás um são”. Depois era só jogar o dente no telhado da casa e aguardar, sem ansiedade, um dente novo nascer.

Fu mais criança, quando acordava ouvindo o canto do galo e das galinhas nos puleiros; quando ouvia os pombos e os pardais na jaqueira despertando para mais um novo dia e, ao despertar, corria para colher a goiaba “de vez” que havia visto no topo do pé na tarde anterior.

Fui mais criança criança, quando colhia  manjelões e via minha mãe tratar o peixe, dando as sobras das entranhas a gatos, cachorros e patos que a cercavam.

Fui mais criança quando era outono e ajudava a limpar o quintal repleto de folhagens, com uma espécie de furador, catando folha por folha e colocando num bornal adaptado.

Fui mais criança quando era inverno e via, surpresa, as outras crianças da rua cantando e correndo no meio da rua “cai cai tanajura na panela da gordura...” pegando-as sem nenhum temor para, mais tarde, assa-las na manteiga.

Fui mais criança quando das queimas de cana-de-açucar imaginava as cinzas caindo do alto como se fossem flocos de neve.

Fui mais criança quando das noites de céu estrelado, vaga-lumes também iluminavam meus caminhos de estrada de barro e de mato selvagem.

Fui mais criança quando sentia medo do vento e da chuva, dos relâmpagos e dos trovões; quando cantarolava baixinho: “Sol e chuva, casamento da viúva! chuva e sol, casamento do espanhol”, ou “hoje é domingo, pé de cachimbo...”

Fui mais criança quando ganhei minha primeira bicicleta, uma Monareta já usada e que ainda tive que compartilhar com meu irmão mais novo;

Fui mais criança quando saíamos todos os 7 de bicicleta ora pela pista, ora pela estrada de barro de madrugada e víamos, no caminho, o sol nascer de novo.

Fui mais criança quando tomávamos banho de chuva juntos; quando havia guerra de casca de laranja ou testávamos a sorte com elas sendo jogadas nos caibros ou ripas da casa. Se uma ficasse enganchada, podia contar com um instante de sorte e que tal pedido feito, seria então realizado.

Fui mais criança quando vi, todo ano, meu pai acender as fogueiras de São João e de São Pedro e comprar fogos de artifícios.

Fui mais criança quando celebrávamos o natal indo à missa do galo e adormecíamos no colo de mãe antes da missa acabar.

Fui mais criança quando meus avós paternos vinham nos visitar e traziam, além de saudades supridas, rapaduras, fubas, soldas pretas, queijo de manteiga e pão Recife.

Fui mais criança quando meus irmãos e eu comíamos farinha com açúcar escondidos ou quando chovia e tínhamos que ficar dentro de casa e, para passar o tempo, brincávamos com o baralho (sueca, “cagado”, “par”, “burro inglês”) ou de adedonha.

Fui mais criança quando observava meus irmãos fabricarem suas próprias pipas com bambu e grude, e seus próprios carrinhos de rolimã, conhecidos por patinetes, ou quando brincávamos de bola, de vôlei e 7 pedrinhas no meio da rua com outras crianças.

Fui mais criança quando, uma única vez, apertamos a campanhia de uma casa e saímos correndo feito loucos, rindo de nossa própria sorte.

Fui mais criança quando, na falta de energia elétrica, nossos pais contavam estórias de terror e de assombração.

Fui mais criança quando pai colocava música na radiola e meus irmãos e eu dançávamos horas, sem parar e sem vergonha ou medo de nos sentirmos ridículos.

Fui mais criança quando, em dias de semana, após um dia repleto de aventuras e de imaginação, acabávamos adormecendo no sofá da sala, em frente à televisão.

Definitivamente fui mais criança quando pai nos dava uns trocados ou permissão para comparar doces a seu Manequinha, que passava com seu carrinho encantado pelas ruas, aos domingos e feriados; a seu Celso e, principalmente, a dona Teca.

Hoje observo meus sobrinhos, bem como outras crianças e fico a me perguntar se eles e elas também foram ou estão sendo tão felizes ou mais crianças quanto eu fui.

À criança que já fui um dia, deixo aqui essas memórias afetivas e faço um apelo: não se esqueça disso, não me esqueça e não me deixe esquecer, jamais.

Maria Marcela Freire, Mamafrei

 

 

 

sábado, 15 de agosto de 2020

Poema para Ravi

 

Menino na janela


Ao olhar através da janela,
o menino Ravi depara-se com o seu espelho,
o irmão-sol.
Seus pés não alcançam o infinito, ainda; suas mãos oscilam entre o aqui e o agora.
Sua mãe,
a natureza,
mira sua astúcia e o fala loquazmente:
Vem,
Impera,
que tua sina é tão bela
quanto à mais doce de todas as quimeras!
E, assim como o sol, nasce e cresce um menino-poema:
repleto de significados,
lacunas,
e dilemas
- existir ou não...
esta não é mais a questão.

Mamafrei 

Março de 2020

Caixa de Pandora

Há pouco tempo tomei consciência da mulher que sou, 

da mulher que me tornei
e da mulher que ainda está por vir.

Gerações de gigantes mulheres percorreram e ainda percorrem meus pensamentos e minhas ações .
O que será que elas esperam de mim?

Vez por outra,
procuro arrego em seus ensinamentos,
em suas vivências e experiencias;
procuro colo em seus afetos
e em suas consolações,
pois tenho consciência de suas lutas,
sou resultado de suas glórias,
de seus turbilhoes de emoções.

Fui feto, bebê, criança e menina;
fui adolescente, jovem e pasmem:
ser adulta jamais me imaginaria.

Hoje, somente hoje,
olho-me através do espelho
da íris do meu olhar
e percebo o quanto a maturidade
me fez e me faz tão bem.

Porque amo meu corpo e minha liberta mente;
porque amo minhas luzes do tempo; minhas leituras do mundo e de determinadas pessoas.

Porque amo ser mulher, apesar de tantos pesares.
Porque amo minhas letras,
minhas palavras,
minha fé e minha boa vontade.

Sou mulher e, por isso,
sou assim:
caixa de Pandora,
Eu dona de mim.

Metade?
Jamais!
Mulher inteira
e um pouco mais.

Mamafrei

Maio de 2020

 

Deixem que as flores de maio florescam!


Parece-me,
há mais de dois meses,
que é feio sorrir;
que é indigno sentir-se bem e esperançoso diante de uma pandemia mundial.
De fato.
Narciso acha feio tudo que não seja espelho.
Mas,
o que somos nós senão espelhos da vida?
Narciso também precisa encontrar o belo em um extraordinário domingo de maio, cujas flores,
num ordinário canteiro de uma rua qualquer, insistem em florir.

Mamafrei

Dica de Leitura I - 10 de julho de 2020

 

A minha dica de leitura de hoje é o livro infanto-juvenil UMA PROFESSORA MUITO MALUQUINHA, do escritor brasileiro Ziraldo( criador de O Menino Maluquinho, lembram?). " Uma professora muito maluquinha" é um livro que toda professora e todo aluno deveriam ter a curiosidade de ler um dia. É uma obra atemporal, repleta de aventura( sim, porque aprender pode ser uma aventura no mundo do conhecimento), de magia e de imaginação( porque o enredo nos faz sonhar com uma educação empática, amorosa e caleidoscópica); é um tipo de livro que se lê em apenas uma sentada e que, ao final, você fica se perguntando: por que tinha que acabar?! A primeira vez que li "Uma professora muito maluquinha" estava na faculadade, perto de concluir o curso de Letras e creio que a reflexão que tal leitura me proporcionou foi um divisor de águas na minha missão futura enquanto docente e no juramento que eu estava prestes a fazer no dia da minha formatura: tenho que ser, eu preciso ser em algum momento de minha carreira docente uma professora muito maluquinha para algum aluno meu. E, para entender o que estou tentando dizer, só mesmo lendo o livro. Quem já foi aluno meu lembrará da menção que faço a esse livro sempre nos primeiros dias de aula. É que sempre, ou quase sempre, inicio meu primeiro contato com meus alunos lançando um desafio. Tal desafio consiste em decodificar um código secreto. Esse código está presente no livro em questão, mas a mensagem é sempre renovada. Ora pode ser em português, ora(pra desespero dos alunos) Também pode vir em inglês. É lindo e encantador observa-los indo em busca do conhecimento e quando conseguem juntar uma letra com outra, formar sílabas, palavras e frases...EUREKA! É devolvido a eles aquela mesma sensação que um dia tiveram ao conseguirem ler a sua primeira palavra! Bem , o livro " Uma professora muito maluquinha " é isso e um pouquinho mais. Ele é um dos meus xodozinhos literários, quase que uma bíblia da minha profissão. Sempre que me encontro desestimulada, desanimada, sem ânimo para ser "maluquinha-beleza" retomo tal leitura e me reabasteço de delicadeza, afeto e humildade. Finalizo, pois, essa minha confissão de amor por tal obra literária com um fragmento importante da voz dessa professora que tanto me inspirou e me inspira: " O homem nasce com visão, audição, olfato, tato e gustação. Mas não nasce completo. Falta a ele a capacidade de ler e escrever como quem fala e escuta. É a professora que - como um Deus - acrescenta ao homem este sentido que o completa!".

Professora Maria Marcela Freire. Graduada em Letras - UFRN - ( Língua Portiguesa/ Língua Inglesa e suas respectivas Literaturas) e Especialista em Literatura e Ensino - IFRN/ Historia e Cultura Africana e Afro-brasileira - UFRN.

Texto que escrevi em 22 de setembro de 2019 para o blog da APOESC e para a página do Jornal Potiguar Notícias

 

Ler ou não ler: eis a questão


GLO-BO. Essa foi a minha primeira leitura do mundo estampada em uma tampa de uma panela. Havia acabado de pegá-la em minhas mãos a fim de enxugá-la e, de repente, como uma abrir e fechar de olhos, uma das descobertas mais fantástica do ser humano se instaurou naquele instante, naquele click em que meu cérebro conseguiu decodificar, pela primeira vez, o código da leitura e acendeu a luz do conhecimento por meio das letras.
O que fazer depois de tal descoberta, coube a mim e caberá a todo e qualquer leitor decidir continuar ou não decodificando não apenas o código da língua portuguesa, mas também de outras línguas, bem como e, essencialmente, o código de nossas literaturas, o código das mais diversas leituras que o mundo, de forma globalizada, pode nos oferecer por meio das palavras e de imagens.
Portanto, ler ou não ler não é apenas uma questão de empatia com as letras, com as palavras, imagens e situações que nos rodeiam. Diria, particularmente, que é também uma questão de vida ou de morte. De vida porque através da leitura, renovo-me enquanto ser diferenciado, reinstaurando e edificando minha humanidade e dignidade, ressignificando a minha vida e a de outrem; de morte porque não conhecendo a mim nem ao outro por meio da leitura, cairia no meu próprio esquecimento, seria acometida pela cegueira branca brilhantemente revelada por José Saramago em “Ensaios sobre a cegueira”. E, a fim de evitar tal tragédia em minha vida, resolvo compartilhar com você, caro leitor deste blog, o que fiz da minha vida após o descobrimento da minha primeira palavra lida.
Durante a minha infância, nunca tive acesso a livros, nem mesmo a revistas em quadrinhos. No entanto, inconscientemente, sabia o poder da magia das palavras. Ouvia meus irmãos mais velhos lerem e relerem, enquanto faziam as tarefas de casa, o poema de Cecília Meireles “A chácara do Chico Bolacha”. Na época, antiga 3ª série, o que me marcou foi a história do “Sonho de Pisca-Pisca” – D ´Olim Marote, além do poema “O  Menino Azul” – Cecília Meireles.  Esses primeiros textos que tive acesso estavam contidos em  livros didáticos. Por isso destaco a importância da escolha e do uso destes nas escolas, uma vez que o livro didático é, na maioria das vezes, o único livro/suporte textual que a maior parte dos estudantes têm acesso, pelo menos no início de sua vida estudantil. De modo que o livro, sendo um bem cultural, sempre foi e ainda é um “objeto de luxo”, usado por poucos, dado o seu alto valor aquisitivo.
Sempre fui de origem humilde. Meus pais foram agricultores e depois que saíram do campo e foram morar na cidade, passaram a construir uma família baseada em valores religiosos e sociais. Na época em que comecei meus estudos, meus pais eram semianalfabetos. Entretanto, há uma curiosidade quanto a este aspecto. Meu pai, apesar de quase não ler, passou a comprar livros àqueles “vendedores de porta”: era dicionário, enciclopédias, livros científicos e literatura brasileira e internacional. Minha irmã mais velha se esbaldava no mundo da leitura com tais clássicos. Eu ainda era uma leitora em potencial e continuei sendo-a até entrar na faculdade.
Na época da adolescência, dou destaque a algumas obras que, anos mais tarde teriam maior significado para mim se as relesse: “O Seminarista’, “As Pupilas do Senhor Reitor”, “O vermelho e o negro”, “O Guarani”, “O Quinze”...
Na faculdade, o mundo da leitura, por fim, tornou-se amplo e ilimitado. Conheci os cânones, os clássicos e até mesmo a literatura de massa, bem como textos do Padre Fábio de Melo.
Depois da faculdade passei a ter autonomia quanto às minhas leituras. Tive a curiosidade de ler alguns textos bíblicos e fui seduzida pelo “Cântico dos Cânticos”, bem como pelos textos erótico-poéticos de mulheres potiguares, como: Marize Castro, Diva Cunha, Ana de Santana e Maria Maria Gomes.
O feminismo de Simone de Beauvoir e de Frida Kahlo me encantou. A potência reveladora da falta de humanidade dos homens retratada nos textos de Maria Carolina de Jesus e de Stela do Patrocínio deixou-me sem ar. Mas, antes disso, fui fisgada por Saint-Exupéry em seu livro: “O Pequeno Príncipe” e por “Uma professora muito maluquinha” de Ziraldo. Esses dois últimos ocupam um lugar especial em minhas memórias de leitura, pois são os que mais releio e faço releituras deles em meu dia a dia como Ser humano e como Ser Professora, não exatamente nesta ordem nem mesmo cogitando a possibilidade de haver uma desvinculação entre Ser humano e Ser Professora.
Sei que decepcionei o público leitor desta página ao não mencionar Dostoievski, Kafka, Dante ou Homero, entre outros. Não os li, mas conheci suas contribuições para o mundo a partir de outras leituras também tão significantes quanto. Caro leitor, se confissões lhe alegram, confesso que bebi da fonte de outros grandes: Fernando Pessoa, Shakespeare, Ovídio, Nietszche, Walt Whithman, , Khalil Gilbran, André Gide...e, nesse meio tempo ainda me encantei com Pablo Neruda, Octávio Paz, Eduardo Galeano, Florbela Espanca, Mia Couto, Conceição Evaristo, Adélia Prado, Odete Semedo, etc. Por fim, ainda há muitos desejos em realizar diversas leituras, como: “Cem anos de solidão” e “ O amor em tempos de guerra”, de Gabriel Garcia Marquez.
Entretanto, de nada valeriam tais leituras se antes, não tivesse tido o prazer de ser apresentada, pelos meus grandes mestres da faculdade, aos cânones nacionais: Machado de Assis,  Aluísio Azevedo, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manoel de Barros, Clarice Lispector, bem como aos “cantores” da minha terra potiguar: José Bezerra Gomes, Luís Carlos Guimarães, Zila Mamede, Câmara Cascudo, Diógenes da Cunha Lima, Iara Maria Carvalho, Antônio Francisco , entre tantos outros já mencionados e que não foram por motivo de dispersão.
 Entre autores e obras, muitas reticências e muitas aprendizagens. Tornei-me além de leitora - de consumidora de tal bem cultural -, pesquisadora de alguns temas, poetisa, declamadora de versos e professora. Por onde passo, meus alunos conhecem essa minha paixão pelas palavras e sabem que ler ou não ler também pode ser uma questão política mas, antes de tudo,  é uma questão de sobrevivência.

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Reconhecimento poético VI

 

Hoje, 15 de agosto de 2020, tive a grata surpresa de um poema meu intitulado “Os brutos” ( homenagem que fiz a José Bezerra Gomes) ter sido publicado na 5ª edição da revista “O galo”. Coisa linda de se ver. Confiram o poema acima  e, abaixo, o link de acesso a ele e a todo maravilhoso material publicado nesta revista que vem fazendo história no RN.

www.cultura.rn.gov.br

http://www.cultura.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=237789&ACT=&PAGE=&PARM=&LBL=NOT%CDCIA



Reconhecimento poético V

 

Em 14 de março de 2019 um poema meu, VIVENDO A PERIGO, foi publicado na Folha Poética. Grata aos idealizadores desta revista!