domingo, 27 de dezembro de 2020

Da arte de escrever

 

DA ARTE DE ESCREVER

Maria Marcela Freire

 

Escrever, assim como ler, é ato solitário. Entretanto, por vezes, assim como podemos compartilhar leituras e torna-las um ato coletivo, colaborativo, de comunhão, também podemos fazer da escrita, exercício íntimo compartilhável, desde que exista, em cena, outro leitor além de mim, mero escrevente de entidades plurais que constituem o meu eu interior.

Escrever dói. Ler o outro também dói porque nunca sabemos, de fato, a quem iremos atingir em cheio, feito flecha no alvo, a partir das nossas escritas, quer sejam elas poéticas ou não.

Sendo assim, escrever é um tiro no escuro; flecha lançada no alvo das subjetividades humanas; ato repleto de intenções, mesmo que no subsolo de nossos pensamentos mais obscuros. O alvo, o coração e a mente humana, simbolizados assim em emoção e razão respectivamente. Ele (o alvo), muitas vezes, pode parecer estanque, estático, mas é mutável de acordo com a recepção e percepção do leitor em vários tempos, ao longo da história, e momentos/instantes da sua vida. Neste sentido, escrever é consagrar o instante.

Escrever é sinônimo de liberdade e de libertação. É puro ato de rebeldia, resistência e honestidade com os seus próprios pensamentos e sentimentos. Afinal, se escreve por quê? Para quê? Para quem?  Para um outro ou para mim mesmo?

Escreve-se para um eu inevitavelmente coletivo; para falar por si mesmo, ressoando no outro;

Escreve-se para aliviar nossas inquietações, nossas angústias, nossas dúvidas, nossas impressões e imprecisões do mundo, do outro e de nós mesmos;

Escreve-se para exercitar a nossa humanidade e nossas experimentações;

Escreve-se por identificação com ser humano, com a natureza e os animais;

Escreve-se para imprimir nossa identidade, deixar a nossa marca registrada no mundo, de maneira geral, ou no mundo particular de alguém;

Escreve-se, portanto, para nos salvar de nós mesmos!

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